Um jogo de quebra-cabeça, e como a revista Exame titulou, perder os dedos e os anéis. A Odebrecht tenta buscar uma composição com o fundo americano Lone Star para tentar não perder de vez e agora o controle da Atvos, seu negócio de açúcar e álcool. Em razão disso, a assembleia de credores da recuperação judicial da empresa, marcada para hoje, às 13 horas, deve ser aberta e, em seguida, suspensa e retomada somente no próximo dia 19.
As partes combinaram um acordo temporário de paz, sem novas investidas jurídicas, para encontrar uma saída de consenso durante esse período.
A Atvos foi alvo de um movimento inédito no mercado brasileiro nessa semana: a gestora de recursos americana tomou o controle da empresa em meio a um processo de recuperação judicial bilionário e que tem os grandes bancos nacionais como credores. Quanto custou? A bagatela de 5 milhões de dólares.
Para o movimento, a Lone Star comprou 50,1% das ações da dona da Atvos que estavam em garantia para credores da Odebrecht no Peru, que têm a receber 220 milhões de dólares. A operação não envolveu os créditos, somente as ações.
A Atvos está em recuperação judicial há quase um ano, desde o fim de maio de 2019, com 11 bilhões de reais em dívidas com terceiros (há mais 4 bilhões de reais em compromissos com o próprio grupo Odebrecht). Do total devido, cerca de 80% são créditos detidos pelo BNDES e pela Caixa. A Lone Star mesmo tem 1,1 bilhão de reais a receber. Se assumir o negócio, leva a responsabilidade sobre os compromissos.
A empresa sucroalcooleira foi a primeira do grupo Odebrecht a pedir proteção judicial contra credores, justamente em razão de execuções promovidas pela Lone Star, que tem 85 bilhões de dólares sob gestão e é reconhecida internacionalmente pela sua atuação agressiva em processos desse tipo. No Brasil, é representada pelo escritório Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados (TWZ).
Vale quanto pesa?
No cenário otimista da Odebrecht e anterior à pandemia, a Atvos poderia valer até 13 bilhões de reais. Para isso, a companhia, que é a terceira maior produtora de etanol do país, precisaria operar a plena capacidade (hoje funciona com 70% por falta de investimento no plantio de cana), estar capitalizada e com a dívida resolvida.
Ainda que o mercado especializado julgue os valores superestimados, é fato que se trata do segundo negócio mais importante para a Odebrecht, depois da petroquímica Braskem, e de um importante ativo no setor de energia limpa do país. A hierarquia dos negócios ficou assim no grupo baiano desde que a Operação Lava-Jato, em 2015, atingiu em cheio o futuro da construtora, berço do conglomerado em 1944.
Incompatibilidade de gênios
Não está nada claro se haverá um jeito de Odebrecht e Lone Star encontrarem um meio termo para seus interesses. E muito menos se isso será possível nos próximos 12 dias.
A Lone Star entende que passou a ser dona inconteste da Atvos depois de assumir 70% das ações de sua holding controladora (já tinha 20% como garantia própria antes do negócio com os credores peruanos).
A transferência do controle não ocorreu ainda porque o grupo baiano não a registrou nos livros da empresa, pois iniciou uma arbitragem contra os credores peruanos para questionar a boa-fé da transação.
A Odebrecht, que é representada pelo escritório E. Munhoz Advogados, tampouco está disposta a ceder com facilidade. Por enquanto, a discussão de propriedade ainda não foi para a Justiça, mas pode ser o próximo passo.
O movimento deu à gestora americana um poder que como credora isolada não tinha. A Lone Star tem menos de 15% do poder de voto na assembleia de credores. Representantes do fundo vem afirmando que há interesse em aporte de dinheiro novo no negócio (o mercado estima 300 milhões de reais), mas dentro de um novo plano de recuperação para lidar com as dívidas.
O atual está sob o enorme fogo cruzado dessa briga. Pela Lei de Falências, quem apresenta o plano é administração, eleita pelo controlador. Se o dono muda, o plano antigo vale? Não há certeza para ninguém dessa resposta. Por isso, ambos os lados tentam negociar. Do contrário, o jogo estava ganho para alguém. Por enquanto, nem o dono mudou de fato.
Conforme o EXAME IN apurou, alguns bancos credores, incluindo Banco do Brasil e Itaú, querem manter o plano original da Odebrecht para reestruturação da Atvos, que ficou pronto em março deste ano.
O BNDES, porém, após a investida da Lone Star, está reticente e alega insegurança jurídica para seguir com a aprovação da versão atual. Como o banco de fomento é o maior credor da empresa sucroalcooleira, não há aprovação de nada em assembleia sem ele.
Até o momento, o juiz do caso, João Rodrigues de Oliveira Filho, da 1ª Vara de Falências de São Paulo, não proibiu que a assembleia de credores seguisse normalmente com o plano já registrado.
Banco público, alma privada
O que tem preocupado a Odebrecht e outros credores da Atvos é um possível diálogo direto entre Lone Star e BNDES. O assessor financeiro do fundo estrangeiro é a G5 Partners. Marcelo Sarfety é presidente do conselho de administração do banco de fomento e sócio-fundador da G5. Com histórico de mercado, está habituado à convivência com investidores financeiros, o que poderia facilitar a simpatia pela estrutura.
Desde antes de a Atvos entrar em recuperação judicial, quando ainda havia uma tentativa de um acordo privado, o BNDES já defendia que fosse feita uma troca imediata de controle da companhia, para afastamento da Odebrecht.
O plano de recuperação da Atvos tem o atual formato, em grande medida, devido a esse desejo do BNDES. O acordo com credores prevê que a Odebrecht deve colocar a Atvos à venda tão logo o plano seja homologado na Justiça. O desejo original da Odebrecht era vender a companhia apenas dentro de quatro a cinco anos, depois que conseguisse levá-la até sua máxima capacidade produtiva para ampliar seu valor numa transação.
Pelo plano atual, a Odebrecht se mantém gestora até a alienação e pode ficar com até 10% do que for obtido com a venda futura da Atvos ou manter essa fatia minoritária como investimento.
Futuro em xeque
Agora, o futuro da Atvos está incerto, no meio de um fogo cruzado entre credores e acionistas. A companhia, se a briga durar, tende a se desvalorizar sem investimentos, como já vem ocorrendo devido à crise financeira da controladora. A Odebrecht, que só desde a Lava-Jato aportou 8,2 bilhões de reais na Atvos, é quem mais tem a perder. Para a Lone Star, o investimento a ser remunerado é de 1,1 bilhão de reais – diminuta fração da carteira gerida pelo fundo.
Além disso, trazer a Atvos até aqui custou nada menos do que a Braskem à Odebrecht. Foi na primeira reestruturação da dívida da Atvos, no pós-escândalo de corrupção, que a Odebrecht “perdeu” o mais importante ativo que controla: a Braskem. Para renegociar a dívida da empresa de açúcar e álcool, em 2016, deu aos credores o controle da petroquímica em garantia. Ficaram com direito sobre as ações, além do BNDES, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander.
Perder a Atvos agora seria como perder as duas maiores joias da coroa, já que não há nenhuma certeza sobre a real possibilidade de revitalização do negócio de construção civil do grupo.