Uma reportagem do jornal O Globo de janeiro de 2018, revela que chega a 63% a recusa dos profissionais em assumir concursos públicos.
SÃO PAULO — Conseguir um emprego público é algo cobiçado no Brasil. Interessados enfrentam filas, submetem-se a provas concorridas e, quando aprovados, contam os dias para a convocação. Mas esse ritual, conhecido da maioria do funcionalismo, não tem se aplicado a uma carreira em especial: a de médico. Nesse caso, a recusa em assumir um emprego oferecido por prefeituras ou governos estaduais chega a 63% dos aprovados em concurso público. Os maiores índices estão justamente nas grandes capitais — São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro — e no Distrito Federal.
Precárias condições de trabalho, salários pouco competitivos, falta de plano de carreira e demora na convocação são os fatores apontados para o desinteresse em vagas na rede pública. No município de São Paulo, o salário para 20 horas semanais é de R$ 6 mil; no DF, de R$ 7 mil.
Dois em cada três médicos que foram convocados nos últimos anos para trabalhar em unidades das prefeituras de São Paulo e Belo Horizonte recusaram o emprego. Na capital paulista, dos 1.275 médicos chamados, 809 (63,5%) não quiseram o cargo. Na capital mineira, o índice é parecido, 63,3%. No Rio e em Porto Alegre, os números são menores, mas ainda assim representam mais da metade dos selecionados — respectivamente, 55,3% e 58,8%.
Com a pior performance, São Paulo prepara uma nova seleção este ano para o preenchimento de 1.090 vagas para pediatras, ginecologistas, clínicos gerais e anestesistas, entre outros — áreas de maior demanda e carência da rede pública. Enquanto isso, do outro lado do balcão, quem depende do SUS espera de 30 a 90 dias por uma consulta com um clínico geral. Quando vai a um pronto-socorro, a fila para o atendimento pode chegar a cinco horas.
Foi o que aconteceu com o comerciante Alan Novaes, de 31 anos, que também se queixa do atendimento ruim. Em dezembro, ele disse que esperou quatro horas pelo clínico geral na UPA Campo Limpo, no extremo sul da cidade, e sequer foi examinado.
— A consulta durou poucos minutos, e o médico não colocou a mão nem para ver onde doía, se era estômago mesmo. Receitou Buscopan na veia. Eu melhorei com um remédio que tinha em casa — conta o paciente.
Há quatro dias, ele voltou à unidade com seu avô, de 83 anos, em convulsão. Segundo a família, só havia um médico para atender todos os casos da UPA naquela manhã.
A crise na Saúde é crônica e generalizada no país. As dificuldades econômicas de 2015 apenas tornaram o quadro mais agudo e expuseram as deficiências de um sistema que agoniza há tempos. A situação mais grave é a do Rio de Janeiro, que enfrenta o fechamento de hospitais por falta de recursos e funcionários. O governo fluminense admitiu ter dívidas que somam R$ 1,4 bilhão com fornecedores e, na semana passada, repassou dois hospitais — Albert Schweitzer e Rocha Faria — à prefeitura.
Outro local preocupante é o Distrito Federal, que tenta reverter a dispensa de pacientes em seus hospitais. Além de um déficit de cerca de mil médicos, o governo está às voltas com equipamentos sucateados. No principal hospital de Brasília, o Hospital de Base, os dois tomógrafos estão quebrados, e a promessa é que um deles volte a funcionar esta semana.